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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

"Já não temos mais um Papa"

Mexendo com a história da ainda muito poderosa Igreja Católica Apostólica Romana, Bento XVI acaba de renunciar. Foram oito anos de um pontificado que se mostrava "sem qualquer novidade", logo de início. Ao optarem pelo alemão Joseph Ratzinger, os cardeais católicos colocavam como líder máximo da cúria romana um dos mais geniais e também um dos mais conservadores teólogos de que se tinha notícia. No que nos toca mais proximamente, tratava-se daquele que, tendo sido presidente da "Congregação para a Doutrina da Fé" (Congregatio pro Doctrina Fidei), tinha sido o responsável pela excomunhão de um teólogo e frei brasileiro; o hoje apenas escritor e palestrante, Leonardo Boff. 

Ratzinger, tendo escolhido o nome de Bento XVI, iniciou seu pontificado com uma missão quase impossível: substituir a contento Carol Wojtyla, o Papa João Paulo II, conhecido mundialmente pelo seu carisma e por sua postura extremamente midiática, o que fez com que ele fosse até chamado de "o Papa pop", rendendo-lhe até refrão no rock brasileiro dos anos 1980. E isso, embora o pudesse "assustar", em nenhum momento o fez, até porque Wojtyla vinha de uma carreira de ator e bailarino na Polônia, sua terra natal, o que lhe deve ter ensinado a lidar com toda sorte de exposição ao público e à mídia.

Para muitos, a escolha de Ratzinger há quase uma década seria um grande retrocesso, visto que o mesmo não trazia nem de longe o carisma e a popularidade do antecessor. Todavia, surpreendem as decisões tomadas em tão pouco tempo de pontificado, haja vista o fato de ele ser considerado ultraconservador e, com toda certeza, "inferior" a um antecessor que, de tão popular, chegou a inspirar torcidas de futebol, algo jamais imaginado para o décimo sexto Bento. Para que as tais decisões raras acontecessem, Bento XVI fez já em 2005 uma análise da situação da cúria romana, o que o fez chegar a uma conclusão demasiado forte: "quanta sujeira e quanta soberba existe na igreja e entre aqueles que se deveriam entregar ao Redentor".

Buscando fazer algo que pudesse "limpar" tal sujeira, Bento XVI expulsou o mexicano Marcial Maciel, fundador dos "Legionários de Cristo", por conta de casos de pedofilia. Na mesma linha, o Papa modificou o Código Canônico, instituindo a política de tolerância zero com os clérigos que tivessem em seu poder qualquer tipo de pornografia infantil, e entregando-os à justiça comum, já que "o perdão não substitui a justiça". Ainda, denunciou a corrupção e o tráfico de influência no Vaticano, pedindo inclusive uma varredura no banco local, o que fez com que muita sujeira e atos de corrupção fossem encontrados. Também, e embora tenha continuado contrário ao sacerdócio de homossexuais, concedeu mais dispensas do que João Paulo II para que padres pudessem se casar.

Deste modo, e numa análise comparativa, a surpresa se estabelece: muito mais conservador parece ter sido Carol Wojtyla. Progressista mesmo foi Joseph Ratinger, já que este mexeu no vespeiro que o antecessor parecia fingir que não existia. A diferença se coloca claramente, mas quase não foi percebida, já que a condição de "homem de mídia", fortemente vivenciada por João Paulo II, chegou até a confundir o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, que enxergou mais benefícios naquele do que no Bento que agora renuncia. Para Pondé, Bento XVI errou por não saber falar às massas, mas, na verdade dos fatos, João Paulo II, tão bom de massas, não fez para além de instituir mundo afora uma rede de mídia que o ajudou a ajustar contas com os regimes comunistas, já que ele conseguia, fora da "cortina", o cego e incondicional apoio de outros tipos de "Pravdas" e "Izvestiyas" (jornais russos), coisa que Stalin também conseguia, só que do lado de dentro.

A pergunta que não cala, portanto, é: se sai um Papa que, esgotado por não conseguir mudar o estado de coisas que se estabeleceu no Vaticano, e deixando um insuportável lamaçal e uma penosa agenda para o sucessor, qual será a escolha do conclave que agora se inicia? Um Papa mais jovem e duro com as posturas seculares da corrupta cúria romana (como quer Joseph Ratzinger, que inclusive apoia o Concílio Vaticano II, uma espécie de abertura da igreja para o mundo, praticamente ignorado por João Paulo II), ou um "amigo de todos", inspirador de torcidas de futebol e ator de grande categoria? E o primeiro item da agenda papal; será mesmo uma revisão do celibato clerical? Claro que não; falar de celibato é falar de algo que só midiaticamente interessa. Muito mais interessante é começar por uma séria reflexão sobre uma manchete de jornal do dia seguinte à renúncia de Joseph Ratzinger: "Ao deixar pontificado, Bento XVI perde o dom que o tornava infalível". Haja debate.

liberdade, beleza e Graça...  


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

"Adoção: ser for de negros, é algo muito fácil e rápido"

O debate sobre as relações raciais no Brasil tem pelo menos duas grandes correntes teóricas: o Continuum de Cor e o Racismo Estrutural. Tais escolas divergem radicalmente acerca das ações afirmativas baseadas na raça, sobretudo quando se trata das cotas para negros nas universidades e órgãos públicos. Para os adeptos do Continuum de Cor, não se pode afirmar categoricamente quem é negro no Brasil, uma vez que os próprios negros se utilizam de mais de 130 nomenclaturas para se autodeclararem etnicamente. Para além disso, tais pesquisadores não identificam posturas racistas explícitas no país, o que faz com que o Brasil seja até considerado, por alguns desses autores, como um país a-racista, tendo em vista uma "harmonia racial onde raramente se vê algo que pode ser chamado de racismo". Nesta direção de pensar se encontram grandes antropólogos como Peter Fry e Yvonne Maggie, pesquisadores do IFCS-UFRJ.

Noutra direção, os pesquisadores do Racismo Estrutural - aonde este que vos escreve também se encontraentendem que a estrutura brasileira é racista, independentemente das posturas racistas explícitas, que para eles não são tão raras como alguns afirmam, bastando que haja um olhar mais atento. Ainda que tal olhar não seja tão vivenciado, no entanto, pesquisadores como o historiador Edson Borges, o antropólogo Jacques d´Adesky e o sociólogo Sales Augusto dos Santos entendem que os números do acesso à educação, saúde e renda corroboram uma distância muito grande quando se compara os grupos negros e os brancos. Para além de tais números, disponíveis a quem quiser acessar, mas praticamente ignorados pelos adeptos do Continuum de Cor, eventos marcantes na história brasileira fomentam o debate e colocam as teses do Racismo Estrutural em grande evidência. Foi o que aconteceu nos últimos dias em Campinas, interior de São Paulo, e no Rio de Janeiro. 

Em Campinas, a Polícia Militar lançou um documento onde a identificação de ladrões era "selada" com um rótulo demasiadamente curioso: "elementos de cor suspeita", isto é, se os soldados se deparassem com jovens brancos, não precisariam desconfiar, mas, se encontrassem sujeitos pretos e pardos, "a abordagem deveria ser imediata", pois estes têm aquilo que a polícia tem chamado de "cor padrão" ou "suspeita". Na mesma semana, um menino negro foi instado a se retirar de uma concessionária BMW na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, pois estaria "perturbando a paz local, na insistente atividade de pedinte". O que o vendedor não sabia é que o menino negro era filho adotivo do casal branco que estava comprando o carro! Sim, o menino, que não pedia nada e estava muito bem vestido por sinal (mas o racismo não deixa perceber esses "detalhes") estava na sala de espera, vendo desenhos animados, quando decidiu se aproximar dos pais, no que foi rispidamente impedido pelo vendedor, já que "esses meninos negros só perturbam e atrapalham a vida da gente; eles só ficam nessa de pedir dinheiro". Como é possível ver, a cor chega antes, ainda que não haja qualquer atitude suspeita ou que as roupas do "suspeito" sejam "roupas de branco".

Para fechar a "quinzena racial", travando contato com uma conselheira tutelar, numa cidade do interior do Rio de Janeiro, este que vos escreve deparou-se com algo que é, no mínimo, material para uma grande tese de doutorado. Perguntando sobre os critérios para se entrar numa fila para adoção, a curiosa resposta foi: "Você quer branco, ou se for negro serve?". A conversa, claro, não poderia parar por aí, visto que um sociólogo, pesquisador de relações raciais no Brasil, estava nela e se interessou ainda mais. "Pode ser negro, sim". "Ah, aí é bem fácil, pois negro ninguém quer e quase todas as crianças negras ficam conosco até os dezoito anos, já que alguém adotar negros é algo muito difícil; ninguém quer criança negra. Agora, se quiser branca, sobretudo de olhos claros, tem até que pagar!". Depois de tal "soco no estômago", fica impossível não pensar em alguns autores do Continuum de Cor, como o Ali Kamel, cientista social e diretor de jornalismo da Rede Globo, que diz que "o país é a-racista, não havendo qualquer razão para se aprovar cotas, visto que negros e brancos são tratados da mesma maneira no Brasil". Pensando no Kamel, o autor que vos escreve quase foi convencido a mudar o tema de sua tese de doutorado, mas, já no meio do processo, preferiu deixar tal rico tema - este da adoção baseada na cor - para um possível pós-doutoramento. Até lá, talvez ele até já seja pai da Antônia; uma menina negra.

liberdade, beleza e Graça...