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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

domingo, 16 de janeiro de 2011

"Pacificação no Complexo: coisa pra alemão ver"

Um dos mais fortes debates em pauta hoje no Brasil diz respeito a um modelo de controle para a grande mídia. Se para os donos dos meios comunicação isso soa logo como censura, apontando para um passado de ditadura que todos pretendem esquecer, para um grupo cada vez maior o controle social da imprensa é algo urgente e de grande relevância. Em um outro texto neste espaço já discutimos o que achamos que deveria ser colocado após a queda da chamada Lei de Imprensa, mas nada foi ainda pensado e o debate se acalora.
Um bom episódio para se justificar uma lei que controle socialmente a imprensa é a ocupação do chamado Complexo do Alemão, conjunto de comunidades carentes na zona norte do Rio de Janeiro, espaço há muito dominado pelo tráfico de drogas e agora ocupado "pacificamente" pela força conjunta das polícias civil e militar, com o apoio federal do exército e da marinha do país.
Nossas aspas para o pacificamente se justificam, pois, ao contrário do que apregoa o jornalismo nada imparcial da Rede Globo, não houve pacificação, não há o heroísmo policial que foi apregoado e o que se vê é um processo de criminalização da pobreza e uma quebra de todo e qualquer tipo de direito constitucional que uma família pobre pode ter. Não foi apregoado e não é mostrado, mas os direitos humanos passaram longe do que aconteceu na invasão do Alemão.
Assim como comprava os "direitos de exclusividade" para entrar onde outra emissora não poderia quando da Copa do Mundo de 2006, ganhando uma proeminência não lealmente conquistada - se é que isso é possível em se tratando de telejornalismo -, a Globo repetiu o feito no maior complexo de comunidades carentes do Rio de Janeiro; câmeras a postos, esperando um massacre a qualquer momento no chamado "dia histórico para o Rio de Janeiro". Foi um show midiático nunca dantes visto no país com uma curiosa e tentadora promessa repetida, após ser dita por um policial: "Está tudo calmo, mas é uma calmaria preocupante; poderemos ter o confronto a qualquer momento. Eles estão aqui e vamos pegá-los a qualquer custo e a qualquer momento, vasculhando casa por casa". Era o Tropa de Elite ao vivo: "Não saiam e não desliguem a televisão, pois vai ter tiro, fiquem tranquilos; vai ter o que se ver". Mas, graças a Deus, os tiros não aconteceram. Pelo menos não como a Globo queria, embora muitos tenham morrido ali.
Se os tiros esperados com ávida ansiedade global não vieram, muitas outras coisas aconteceram, infelizmente, embora não tenham sido noticiadas. O grande acordo dava exclusividade de transmissão, com direito a escolta do Estado brasileiro aos repórteres globais, mas impedia e impede que se fale mal dos governantes e que se mostre o que realmente aconteceu.
Alguns policiais vieram de fora da cidade do Rio de Janeiro e, mesmo sem que possamos identificá-los por nomes agora, disseram frases como: "Nunca vi tanta corrupção na minha vida; era uma penca de policiais descendo os morros cheios de ouro e pacotes de dinheiro nas mãos". Um nosso amigo, tenente do exército, disse: "Cara, teve bandido saindo livre, escoltado pela própria polícia!".
Enquanto os maiores bandidos saíam na boa e até com a ajuda policial, as casas eram invadidas, os pobres eram desrespeitados (o chamado esculacho) em todos os seus direitos, inclusive com episódios de abuso contra trabalhadores e mulheres, sendo que a totalmente parcial mídia global mostrava um esgoto por onde os grandes traficantes (não) teriam fugido do Complexo.
Para um grande número de pessoas em todo o país a polícia carioca foi e é heroica, pois a Rede Globo insistiu em exibir gestos desesperados de moradores que tratavam os policiais como herois a libertá-los de anos e anos de opressão do tráfico. Contudo, a vida já voltou ao "normal" no Complexo e a libertação não houve. Não haverá, infelizmente. Não há real interesse.
Como diziam os grandes Marx e Engels, em A ideologia alemã, "quem detém os meios materiais, detém também os meios intelectuais e espalham a informação como lhes for conveniente, no intuito de fazer com que se pense que essa opinião de um pequeno grupo é a opinião de todos". Assim, são muitos - quase todos - os que pensam que o Alemão está pacificado, não sabendo que há um número considerável de desaparecidos, e pensando que enfim temos um governo e um sistema policial honestos. O que temos, na verdade, é uma máquina de repressão praticamente invencível e um conluio de poder de fazer inveja aos mais vorazes demônios invisíveis.
Se haverá uma resposta para isso, não sabemos, mas temos ainda a esperança de que uma mudança na estrutura social brasileira se dê, a fim de que possamos ver nossa gente vivendo com dignidade e pacificamente, mas com paz e voz, pois, como diria O Rappa, "paz sem voz, não é paz, é medo". Enquanto não houver a paz e a voz - numa mídia que a sociedade unida tenha a capacidade de controlar, refutando a nada verdadeira voz Global -, não haverá pacificação real. Haverá apenas a pacificação que já há hoje no Complexo: para alemão ver.

liberdade, beleza e Graça...