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Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Doutor em Sociologia pela UERJ e Pós-doutor em Sociologia Política pela UENF. Pesquisador de Relações Raciais, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor do Instituto Federal de São Paulo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

“Afinal, para quê serve Deus na terra?"

Três frases bastante fortes são atribuídas ao grande escritor russo Fiodor Dostoievski; à primeira delas - que também é atribuída a Blaise Pascal e a outros pensadores - poderíamos chamar de uma frase crédula: “Todo ser humano tem dentro de si um vazio que é do tamanho de Deus” (a ideia de preenchimento do indivíduo estaria aqui proclamada).
As duas outras sentenças, no entanto, parecem poder receber o rótulo de incrédulas: “Se Deus não existe, tudo é permitido” e “Para mim não há nada de mais elevado que a ideia da inexistência de Deus; o homem inventou Deus para poder viver sem se matar”.
Baseados nestas sentenças, podemos admitir uma possibilidade de sempre ser positiva a presença de Deus na terra. Ele estaria aqui como um ethos sagrado a mostrar um parâmetro de conduta. Sendo crido, como algo íntimo e pessoal, ou mesmo sendo entendido como “invenção”, Deus seria uma peça fundamental para a refutação da tese hobbesiana de “guerra de todos contra todos”. Deus, ou a ideia dele, seria, portanto, a referência a não deixar que nos matemos uns aos outros; serviria como uma regra de conduta mínima, buscando um caráter respeitador entre os humanos.
Deus existe na terra, então, para benefício do próprio ser humano. Os que creem nele como verdade sentida, vivenciada, e como respondedor de orações, nada perdem e usufruem, segundo seus próprios depoimentos, de uma paz que só conhece quem o entende existente. Os que creem apenas numa ideia dele, como parâmetro de respeitabilidade entre os homens e mulheres, nada perdem também, pois conseguem viver num mundo onde ainda se faz possível a evitação do “ninguém é de ninguém”. Neste pensar, ninguém perde com Deus.
O único a perder com a ideia de Deus seria, então, aquele que zomba dela. Só o indivíduo que refuta tal ideia, mesmo sem refletir nos ganhos dela oriundos, sai perdendo. Só aqueles que buscam a refutação simples, no intuito nada nobre de fomentação de atitudes hostis entre iguais, perdem com isso.
A grande questão, portanto, não seria Para quê serve Deus na terra?, mas POR QUE NÃO DEUS NA TERRA? Qual seria o malefício causado pela presença crida ou pela ideia de Deus, baseado nos argumentos acima expostos?
É sabido que ideias errôneas na questão hermenêutica foram trazidas à tona por muitos homens e mulheres de pensamentos belicistas. Todavia, é também inspirador saber que a ideia de um Emanuel (Deus conosco), representada na figuração da encarnação do Verbo da vida, um jovem chamado Jesus, traria uma interpretação outra, refutando a lógica belicista de antes e incutindo amor e perdão em cada gesto humano. A partir da hermenêutica do Cristo, Deus seria a nossa referência. Deus serve na terra para referenciar.

liberdade, beleza e Graça...

(Texto escrito para ser resposta a um ateu, que fez a pergunta Afinal, para quê serve Deus na terra?, no fórum da Sepal. Foi-me feita a encomenda de uma resposta. Outros autores também estão enviando suas contribuições, e elas poderão ser vistas num único espaço, no blog de um meu grande amigo. http://www.nelsonlellis.blogspot.com/).

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

“Opinião pública, tiro certeiro e aplausos”

O debate acerca da existência ou não de uma opinião pública se faz bastante relevante a cada novo episódio traumático que nos chega. Não é raro lermos e ouvirmos que “a opinião pública está farta disso”; “a opinião pública não aceita mais aquilo”, e assim por diante.
Segundo o pensamento de Patrick Champagne, no entanto, o que se chama de opinião pública nada mais é do que uma opinião que foi tornada pública; uma opinião publicada. Algo que Champagne chamou – na sua excelente obra Formar opinião – de “opinião de uma elite social que frequenta as academias e os salões literários (...) uma máquina de guerra ideológica improvisada (...) uma ideologia profissional. É a opinião manifestada a respeito da política por grupos sociais restritos, cuja profissão é produzir opiniões, e que procuram entrar no jogo político, modificando-o e transfigurando suas opiniões de elites letradas em opinião universal, intemporal e anônima com valor na política”.
A partir dessa ideia de Champagne, intentamos pensar o episódio mais comentado em vários dos debates nos círculos acadêmicos brasileiros nos últimos dias: os aplausos para o policial militar que acertou na semana próxima passada um tiro na testa de um sequestrador, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro.
As perguntas que ficam são: O povo gosta mesmo de violência? A tortura contra os chamados bandidos é tolerada e até incentivada pela chamada opinião pública? Vale tudo na busca de segurança pública e individual? Segundo o apresentador de tevê Wagner Montes, sim. Nós, na contramão, acreditamos que não.
Pesquisas acerca das percepções da violência mostram que um mesmo grupo pode responder de forma radicalmente oposta a uma mesma questão. Especialistas em segurança pública mostraram que até a ideia favorável à pena de morte é rechaçada, a depender da forma como o réu é apresentado. Quando é apresentado como indivíduo com família; mãe, pai ou filhos pequenos, é tido como um “igual” e, portanto, “merece uma outra oportunidade”, que seria uma pena menos radical. Se for “só um número” e o foco estiver apenas na ação perpetrada por ele, tudo muda e até se radicaliza.
Outros fatores que devem ser levados em consideração são o “calor do momento” e o “efeito de multidão”, tão estudado por Gustave LeBon em Psicologia das multidões. Não é difícil entender que no calor do momento é fácil tomar uma atitude que não se tomaria após um breve tempo para reflexão. Contribuindo de maneira mais teorizada, com seu conceito de efeito de multidão, LeBon afirma que “os indivíduos em meio a uma multidão são capazes de ações deveras irracionais, que não cometeriam se estivessem sozinhos”.
Podemos ver, portanto, que a pressa na atitude de matar só fez contribuir mais para a aquisição social de novos órfãos e nova viúva. Entendemos que poderia chegar-se a uma negociação e evitar mais uma dissolução familiar, geradora de outras no futuro.
O que falta aos sensacionalistas de plantão é um pouco de sensibilidade e coragem para assumirem os riscos de se dizer que a solução não está na bala, mas no investimento em educação, associação e saúde para um sem número de “vítimas que fazem e farão vítimas”. Quem é tratado como bicho hoje, dificilmente tratará os seus iguais como gente amanhã. O mundo hobbesiano do todos contra todos, sendo um o lobo do outro, parece estar incentivado. Mas, e os aplausos? Não teria o povo gostado do grande espetáculo de horror tijucano? Não, o povo não gostou, definitivamente. Os aplausos não são os da opinião pública, são os da opinião tornada pública. O povo, na verdade, chora. Chora sem consolo. Chora de desesperança. Chora de desvontade de fazer algo. Chora de impotência. Ovelhas sem pastoreio.

liberdade, beleza e Graça...